O Brasil pode estar no caminho de um novo ciclo econômico ascendente, favorecido por uma combinação de números fiscais melhores, possível novo superciclo de commodities, reformas econômicas já realizadas e um futuro corte de juros, avaliou o ex–diretor do Banco Central Tony Volpon, que se diz otimista com o país apesar das incertezas globais.
Para o economista, parte do processo de apreciação recente do real reflete fatores estruturais, e ele não descarta a possibilidade de a taxa de câmbio retornar a patamar abaixo de R$5,00 à frente.
Volpon, atualmente estrategista-chefe da WHG (Wealth High Governance), vê os acontecimentos externos relacionados à guerra na Ucrânia e aos contínuos problemas na cadeia de suprimentos na esteira da pandemia, além dos juros ainda baixos em países desenvolvidos, como fatores a deixar o mundo mais inflacionário.
O economista avalia, porém, que isso não necessariamente forçaria mudanças bruscas na política monetária dos principais bancos centrais. “Não vejo nesses lugares (EUA e Europa) uma vontade de pagar o preço que teria de ser pago, e ele não seria pequeno, para recolocar a inflação em 2%. Acho que você tem um processo gradual de ajuste, muito gradualismo”, disse.
“Dado que o processo será gradual e você teria inflação mais alta por mais tempo, esse não é um ambiente ruim para países como o Brasil“, completou.
Para Volpon, fatores estruturais poderiam em parte neutralizar o efeito contracionista à atividade resultante do risco de um juro mais alto no Brasil em meio a pressões inflacionárias globais potencialmente mais persistente — agora que as matérias-primas estão em alta meteórica.
Ele cita os termos de troca mais positivos (em tese, atrairiam mais fluxo ao país) e a volta do investidor estrangeiro –num contexto de retornos potenciais mais elevados, já que a taxa de juros está mais alta, e da, na prática, exclusão da Rússia da lista de mercados investíveis.
O rali das commodities poderia num primeiro momento até gerar mais especulações de que o Banco Central manteria os juros mais altos por mais tempo. Mas, segundo Volpon, “de qualquer maneira haverá queda de juros em algum momento, e isso seria uma segunda perna positiva para a economia brasileira”.
A incerteza eleitoral aqui, segundo o ex–diretor do BC, é uma rubrica difícil de prever e, por isso, muitas vezes ela deixa de constar como variável nos modelos de projeção do PIB.
“É um choque exógeno, de certa maneira o evento político está fora da economia… mas se for uma coisa que acabar sendo positiva, acho que poderia anular um pouquinho o impacto do juro mais alto (no PIB)”, disse.
“O Brasil já conseguiu crescer no passado com juros reais relativamente altos, mas vai ter de que ter esses outros fatores entrando na equação. É difícil de colocá-los, a gente não sabe como essas coisas vão acabar acontecendo, mas eu não necessariamente compro a ideia de que estamos falando de um resultado negativo (para o PIB em 2022)”, afirmou.
O IBGE informou mais cedo que o PIB brasileiro registrou em 2021 crescimento de 4,6%, maior taxa desde 2010 e acima das projeções de analistas consultados pela Reuters.
“Se a gente sair um pouco desse ruído, que é alto no Brasil, e olhar fatores mais estruturais, olhar mais a coisa em termos de ciclo —ciclo de alta, de queda, de ajuste–, então podemos estar num ciclo de alta“, disse Volpon.
“O mundo ficou dez anos, começando em 2011 (fim do último superciclo das commodities), contra a gente. Agora está virando a favor. A gente tem que se ajudar, obviamente.”
Ele considerou que, com o crescimento do setor financeiro brasileiro como um todo em meio à queda dos juros, o mercado local ficou menos sensível a mudanças determinadas pelos fundamentos das contas externas, situação intensificada pelo menor direcionamento de recursos ao país depois da perda do grau de investimento.
Isso deteriorou a percepção acerca das contas públicas, que mais recentemente sofreu um golpe mais forte com a Covid-19, deixando o mercado doméstico ainda mais focado nos números fiscais.
“Mas esse jogo está mudando. Primeiro porque o estrangeiro voltou; segundo, agora temos taxa de juros — não fica mais tão barato apostar contra o real –; terceiro, há queda de posicionamento dos locais, que têm feito saques de investimentos com a alta dos juros; e as commodities estão em alta“, disse.
“Essa parcela mais pessimista (os locais) está perdendo poder relativo em relação à parcela externa, que está mais positiva e vendo um ambiente mais global”, afirmou Volpon.
“A grosso modo, você tem três determinantes para o câmbio — local, estrangeiro e economia real. Esses dois últimos, que estavam meio apagados, estão crescendo em poder, e a ala mais pessimista está perdendo poder. Então o que acontece é uma apreciação cambial.”
Considerando esses pontos, Volpon enxerga a recuperação do real como “estrutural nesse sentido“.
“Se essas tendências continuarem, e eu particularmente não vejo que elas não vão continuar, acho que o que a gente vê é um real mais forte como sendo decorrência desse processo.”
“O dólar vai ficar por aí (taxa de câmbio rondando R$5,00), mas não vejo por que não trabalhar em R$4,00 e alguma coisa. É bem possível, não vejo nenhum problema nisso”, finalizou o ex–diretor do Bacen.
O dólar à vista operava em torno de R$5,05 hoje (4), a caminho de fechar a semana mais curta em queda de 2,1%, mesmo com a agitação global por causa da exacerbação da guerra na Ucrânia. No ano, o dólar cai 9,4%, o que deixa o real isolado no posto de divisa com melhor desempenho global no período.