Desde 2019, Daniel Senise, um dos nomes substanciais da nossa arte contemporânea, não se apresentava em um museu paulista, no caso o Instituto Tomie Ohtake, quando expôs “Todos os Santos”, uma grandiosa série marcada pela utilização da fotografia como um dos elementos centrais das obras. Desta vez, o artista traz “Biógrafo: Daniel Senise”, com curadoria de Marta Bogéa e Helouise Costa, ao majestoso mezzanino do MAC USP, uma exposição de caráter semi-retrospectivo, visto que o início de Senise nas artes plásticas data de meados dos anos 80 e, o atual evento, abrange as últimas três décadas, de 1992 a 2022.
Nas cerca de 40 obras, a maioria em grande formato, é perceptível o pleno domínio do artista maduro que construiu, ao longo de quatro décadas, uma poética calcada em uma sacada/insight muito original e na qual firmemente acreditou. As suas são telas complexas, laboriosas, que exigem fatura de precisão cirúrgica, mas o resultado é um exercício categórico de grande beleza monocromática.
Senise poderia até ter tomado emprestado o título do delicioso filme italiano de 2013 do Paolo Sorrentino, “La Grande Bellezza” (com o charme do ator Tony Servillo no papel do impagável Jep Gambardella, para quem não o assistiu). Mas o engenheiro que Senise tem na alma, alicerçado pelo diploma que nunca pegou na UFRJ da disciplina empírica que jamais viria a seguir, deixou suas marcas.
Veja algumas obras de Daniel Senise que estarão expostas no MAC USP:
Daniel Senise, Quase infinito, 1992, óxido de ferro e esmalte sintético sobre cretone
No fazer do artista elas são as marcas do tempo encontradas nos pisos e assoalhos de locais degradados, abandonados, em que ele, utilizando um processo similar ao decalque, imprime em tecido absorvendo assim os resíduos do lugar ou sua “memória”, conforme ele costuma dizer. Os romanos chamavam em latim essa reminiscência de “genius loci”, que dizia a respeito ao espírito protetor de um determinado local.
Feito o decalque ou monotipia do piso, o tecido impregnado de “memória” é recortado e colado sobre placas de alumínio, dando origem aos planos arquitetônicos bem calculados que admiramos em suas telas. Muitas dessas superfícies trabalhadas honram a perspectiva, ilusão de profundidade ou o sentido da tridimensionalidade, uma invenção do pintor florentino Masaccio nos idos do século 16, e um dos artistas da Renascença, assim como Giotto, admirados por Senise.
Quando compreendemos o laborioso processo formulado pelo artista, entendemos a razão de ser do título da exposição. Biógrafo é aquele que narra os fatos particulares das várias fases da vida de uma pessoa ou personagem. No caso de Daniel Senise, da “história” desses pisos por onde, um dia, tanta vida passou que, agora, vive nas telas do artista um renascimento.
Desde a década de 80, ele participou de várias bienais como as de São Paulo, de Veneza, de Liverpool, de Cuenca e de La Habana, em Cuba, além da Trienal de Nova Delhi. Já exibiu em Paris no Centre Georges Pompidou e no Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris; no MOMA, em Nova York; no Museu Ludwig, em Colônia, Alemanha, e nas instituições brasileiras de maior prestígio.