China e Rússia são os grandes rivais de Washington na América Latina — afirmou a chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, general Laura Richardson, na quinta-feira (19), sugerindo que os países latino-americanos “doem” equipamento russo para a Ucrânia para, então, “substituí-lo” por material americano.
“Esta região importa e importa muito para nossa segurança nacional”, disse a general Laura Richardson durante conversa no “think tank” Atlantic Council, em Washington, consciente das críticas de países latino-americanos que se sentem “abandonados”.
Na Estratégia de Segurança Nacional de 2022 (NSS, na sigla em inglês), o governo Joe Biden priorizou a China e identificou a Rússia como um desafio importante, mas localizado.
O adversário número dois dos Estados Unidos na região é a Rússia, afirmou Richardson, a segunda mulher a chegar ao posto de general nas Forças Armadas americanas.
No total, nove países “têm equipamentos russos, e estamos trabalhando para substituir esses equipamentos russos por equipamentos dos Estados Unidos, se esses países quiserem doá-los para a Ucrânia, ou para a causa em curso”, dissa ela, referindo-se à guerra travada após a invasão russa do território ucraniano há quase um ano.
A general não especificou quais são os seis países com equipamento militar russo, além de Cuba, Venezuela e Nicarágua.
Evan Ellis, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Colégio de Guerra do Exército dos Estados Unidos, disse à AFP que Brasil, Colômbia, Peru, México e Bolívia possuem equipamento militar russo, “principalmente helicópteros de transporte”.
Em sua opinião, a ideia de Richardson “tem mérito do ponto de vista técnico, mas é improvável que as nações da região a executem”.
Elis explica que, tecnicamente, é muito difícil para os países com helicópteros russos mantê-los, devido às medidas internacionais impostas a Moscou e ao fato da Rússia priorizar a guerra na Ucrânia. “Isso não vai mudar a curto prazo, o que significa que a equipe russa é um fardo a longo prazo.”
A ascensão de governos de esquerda “em muitas partes da América Latina, os orçamentos de defesa muito baixos e a relutância em comprar novos equipamentos militares de ninguém, e muito menos doar o escasso equipamento existente para a Ucrânia, significa que essa boa ideia será muito difícil de pôr em prática”, explica Ellis.
– Tentáculos chineses –
Para ela, o outro “ator estatal maligno” é a China, com quem “estamos em uma competição estratégica no Hemisfério Ocidental”.
“Ver a invasão e os tentáculos da República Popular da China nos países do Hemisfério Ocidental tão próximos dos Estados Unidos me preocupa muito”, frisou.
Vinte e um dos 31 países da região assinaram a Iniciativa do Cinturão e Rota, também conhecida como Nova Rota da Seda, uma estratégia global de desenvolvimento de infraestrutura lançada por Pequim.
O colosso asiático investe em infraestruturas críticas, alertou Richardson, como portos de águas profundas, espaço ou telecomunicações, com redes 5G e a multinacional Huawei.
Por qual motivo?, ela pergunta.
“Se eu tivesse que adivinhar, eles provavelmente estão recebendo um desconto”, em um contexto de dificuldades econômicas agravadas pela pandemia que atingiu duramente a região, onde pelo menos 170 milhões de pessoas vivem na pobreza.
O general argumenta que o equipamento americano é de melhor qualidade, mas que, neste momento, os países estão muito atentos ao financiamento que o acompanha, a “quem oferece o melhor negócio financeiro”, porque “não podem pagar tanto à vista”.
“Precisamos fazer uma pausa e olhar para isso muito, muito claramente”, porque acontece muito perto, “na nossa vizinhança”, disse Richardson, para quem ser um bom vizinho significa “cuidar um do outro”.
Os Estados Unidos têm, ainda, um terceiro adversário: organizações criminosas transnacionais que injetam “insegurança e instabilidade”, das quais China e Rússia se aproveitam, segundo ela, para “se instalarem e prosperarem”.
Trata-se de uma área “fora do comum”, com um comércio “incrível”, resume a general, uma região da qual a China se beneficia em grande medida, já que se tornou o principal parceiro comercial de alguns países latino-americanos, relegando os Estados Unidos a segundo plano.
O valor do comércio entre o colosso asiático e a América Latina e o Caribe aumentou de US$ 18 bilhões em 2002 para cerca de US$ 450 bilhões hoje, e está a caminho de US$ 750 bilhões “no futuro próximo”, prevê Richardson.
“Há muita coisa em jogo”, adverte.